Nuvem de propósito

Há momentos em que canto alto para tentar espantar a Tristeza, tento mantê-la atrás dos arbustos - não posso perdê-la de vista, ou dar as costas, seria pedir para ser predado novamente. 

Lido até bem com a Solidão: basta brandir um bastão de rotina e chamar alguns amigos que ela vai embora. 

Quanto à Mania, eu a mantenho sob controle com fino ajuste, mas é duro. Insiste, insiste, mas logo, também, me deixa em paz por um dia ou dois. 

Agora, esta, a Ansiedade... é a mais cruel de todas, a mais cruel nesta selva de sentimentos. 

Ela enxerga no escuro, fareja minhas inseguranças dentro e fora do abrigo. Faz ventar forte, estremece as janelas e faz tudo ficar um pouco mais frio. 

No frio, é difícil discernir entre fora e dentro. É trabalhoso manter-se limpo, manter-se lógico. 

Há momentos em que me sinto como uma vela tímida: o pobre fio de vida aceso por muito pouco, uma chama oscilante, quase sumindo, completamente à mercê da primeira brisa que, por ventura, se esgueira por algum canto do cômodo. No entanto, começo a pensar que, talvez, a vida não seja sobre manter a chama sempre acesa, sobre manter-se seguro. Começo a pensar que tudo bem se deixar apagar de vez em quando, que tudo bem ficar no escuro por um tempo, só enquanto passa a tempestade. Outro dia, veio uma nuvem e derramou uma chuva de sal que corroeu cada viga, cada telha, e me fez chorar até meu peito virar poça. Mas vejo, hoje, que precisava deixar aquela nuvem me atravessar. 

Era uma nuvem de propósito.

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