O pacto

O cometa veio. Junto com ele, dúzias de sentimentos. Sobrevivi à luz que ofuscara o brilho das estrelas, correndo o risco de não mais ver o nascer do Sol. Bati a porta e me mantive quieto, não havia mais ninguém ouvindo. Ganhei silêncio. Experimentei um pouco de vazio, um pouco tardio. Por sorte, guardo sempre um lápis no bolso. Confessei, assim, às paredes:

Escavei no jardim tuas juras prediletas

juras de maldição

revirei geiras de terra

os recantos do coração

terras expatriadas

montes de perdição

dá-me teu desejo

pele, condenação

cede o cortejo

de um sentimento artesão

sofre o lampejo

sorve a canção 

vê céu aberto 

vê com atenção

Com as luzes apagadas, fiz sinal para que o espectro numenoso assentasse sua sabedoria em mim. Por três dias e três noites, torturei incansavelmente o fraco encolhido no canto do quarto com rimas longas e heresias. Ao contrário do que acreditam os religiosos, não é preciso mais do que isso. Uma intenção basta. Na manhã de domingo, eu encarei o espelho e sorri. Era um riso de dignidade.

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