Brasa que prende

Odeio essa gente que faz a gente parar para pensar. 

Fui bem servido de um interrogatório purgante no outro dia, quando resolvi chorar as mazelas do coração para uma menina curiosa, sem pudor. Contei a ela da vez em que me apaixonei por uma ninfa desavisada, dessas que moram em florestas de quebra-cabeças, que passeiam por flores de LEGO. 

Só Deus sabe o quanto é difícil traduzir sentimentos em palavras, arrancar verbo das entranhas, mas me esforcei, o máximo que pude, juro. Comecei apostando em uma abordagem plástica: "Bem... Se eu fosse descrever o seu amor em imagens, diria que estava mais para um fio fino de cabelo erguido sobre brisa boa, trazido despretensiosamente ao meu quintal, e agarrado desesperadamente por um galho seco de uma árvore bem velha". 

Engraçado, "tão pouca gente a sós com a vertigem", disse Luiza Jorge, e eu aqui fazendo reviver um pranto que se revira em vento. Disse à pequena que separei um caderninho só para imprimir emoções. Sangrei naquele papel até não ter mais o que doar e então o guardei em uma gaveta. 

Com os pensamentos numa ninfa voadora, escrevi meus textos mais bonitos (e não sei, sinceramente, se aguento outra dose de inspiração), porque pedi a ela seu amor como quem pede a um fumante que pare de tossir. Fumaça demais para ver, pouco ar para arder brasa que acende, brasa que prende

Contei também dos imbróglios que pautavam nossas discussões sobre vida e morte, das graças que faziam algazarra das nossas confissões mais secretas. Terminei contando das noites de sorte e das manhãs de escuro. Parece menos tempo, agora que parei para pensar. 

A menina logo viu que eu era facilmente magoável, dramático até a última gota, e me receitou uma dose de bom-senso. Eu só não sabia onde comprar. 

"Melhor se apaixonar por gente da próxima vez".

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